- O que é a Medicina-Legal?
A medicina legal compõe a grande área das ciências forenses, assim como balística, toxicologia, tanatologia, dentre outras. Ela trabalha, essencialmente com o ser humano, podendo ele estar vivo ou morto, ou até mesmo com algum material biológico proveniente dele. Para que esse trabalho possa ser plenamente realizado é necessário a aplicação de inúmeras especialidades médicas de maneira concomitante ou isolada. Desse modo, a medicina legal se enquadra como um ramo da medicina que compõe as ciências forenses, cujo objetivo constitui-se como selecionar e aplicar métodos de investigação e diagnóstico de todas as outras áreas médicas para esclarecer fatos de interesse jurídico. Nesse sentido, a medicina-legal investiga os danos ocasionados ao ser humano nas suas mais diferentes formas. Os danos de caráter culposo e doloso. Acidentais, autoinflingidos ou provocados por outrem. Compatíveis com a vida ou que levam à morte. Investiga até as alterações comportamentais decorrentes desses danos ou mesmo as alterações do corpo após a morte que podem esclarecer, por exemplo, quanto tempo se passou entre o evento que levou à morte e o encontro de um corpo. O médico-legista deve elaborar documentos, cientificamente embasados, de forma clara e objetiva, a fim de propiciar o entendimento dos operadores do direito e demais autoridades, contudo sem deixar de lado o aspecto médico do laudo. Portanto, o médico-legista deve transitar entre a linguagem de duas ciências distintas, a medicina legal e o direito.
- Como e onde se aplica a medicina legal?
O trabalho do médico-legal é realizado através de perícia. Atendendo a diversas solicitações da justiça, há maior empregabilidade nas searas cíveis e criminais. Em casos criminais, o exame realizado pelo médico legista é denominado exame de “corpo de delito”, cujo objetivo é constatar elementos que em conjunto (corpo) possam servir como prova de um fato criminoso (delito). Na seara cível, a maior incidência da medicina legal é relacionada a exumação de corpos para a realização de exames de DNA, com o objetivo de constatar algum grau de parentesco entre os interessados.
- Medicina legal e necrópsia
Talvez, o exame mais famigerado da medicina legal seja o exame necroscópico, ou simplesmente necrópsia. A necrópsia, no Brasil, pode ser compulsória ou não, dependendo da situação em que ocorreu a morte de uma pessoa. Por razões de maximizar o entendimento, pode-se dividir o exame necroscópico pode ser classificado de três formas: médico-legal, de verificação de óbito e hospitalar.
- Exame necroscópico médico-legal: em toda morte ocorrida por causa externa, ou seja, não-natural ou violenta (homicídio, suicídio, acidente, aborto ou infanticídio) e ainda nos casos de mortes suspeitas, o exame necroscópico é obrigatório e deve ser realizado nos Institutos Médicos Legais (IML´s). Os corpos de indivíduos sem identificação ou em avançado estado de putrefação que inviabilize seu reconhecimento ou identificação também devem ser submetidos ao mesmo tipo de exame. Tem como finalidade determinar a causa da morte para elaboração da Declaração de Óbito. O foco principal de interesse está na causa jurídica da morte, por ser de fato de relevância judicial a ser apurado, mas sem menosprezar a causa médica da morte. O exame é executado por um médico legista (perito oficial).
- Exame necroscópico de verificação de óbito: toda morte ocorrida por causa natural não esclarecida deve ser investigada, até mesmo para que se descarte com certeza a possibilidade de que tenha ocorrido uma morte por causa externa. Em 2006, foi criada a Rede Nacional de Serviços de Verificação de Óbitos e Esclarecimento da Causa Mortis (SVO). O SVO tem como objetivo realizar necropsias de pessoas falecidas de morte natural sem assistência médica ou com assistência médica em que não houve elucidação diagnóstica. O exame é executado por médico patologista contratado por concurso pelo SVO.
- Exame necroscópico hospitalar: toda morte ocorrida por causa natural, em ambiente hospitalar, em que haja, por avaliação do médico responsável pelo caso, necessidade de elucidação mais detalhada do diagnóstico. Nesse caso, deve-se salientar que se trata de uma investigação de interesse médico, pois existe um diagnóstico básico da causa de morte que supre as exigências legais para emissão da Declaração de Óbito. Além disso, não há fato de interesse jurídico a ser apurado, por se tratar de morte natural. Assim sendo, é facultativa e, assim, necessita da autorização de familiares ou responsáveis pela pessoa morta para a sua execução. Caso a morte tenha ocorrido em ambiente hospitalar, mas não haja diagnóstico da causa de morte, o caso deve ser encaminhado para exame necroscópico de verificação de óbitos.
Apesar das diferentes modalidades de exames necroscópicos possíveis, deve-se lembrar que a transferência entre cada um dos serviços é possível e necessária em determinadas circunstâncias.
A suspeição ou detecção de sinais de trauma ou violência, assim como de intoxicações ou envenenamentos em uma necrópsia hospitalar ou de SVO, implica a transferência imediata do caso para a realização ou finalização de necrópsia como médico-legal.
- O que é a tanatologia?
A tanatologia, em linhas gerais, envolve o estudo da morte em si. Algum dos aspectos de fulcral importância na tanatologia são: o conceito de morte e os fenômenos cadavéricos (relacionados aos processos de destruição ou preservação do cadáver).
- Conceito de morte
Para que o exame necroscópico seja iniciado, é necessário que se tenha certeza da morte do indivíduo a ser examinado. Apesar da aparente obviedade da situação, definir “morte” é tão difícil quanto definir “vida”. Atualmente, a morte é definida a partir do conceito de morte encefálica, o qual se refere a uma situação de dano ao cérebro irreversível e suficientemente extenso a ponto de impedir a sobrevivência do restante do organismo sem equipamentos e tratamentos de suporte vital.
- Fenômenos cadavéricos
Trata-se de alterações que ocorrem no corpo com o passar do tempo. Dividem-se em:
- Fenômenos abióticos: aqueles que evidenciam ausência de vida, subdivididos em:
1.1 Imediatos: aqueles que surgem imediatamente na ocorrência da morte (perda da consciência, insensibilidade, parada da respiração, parada da circulação, imobilidade, atonia muscular, palidez e midríase);
1.2 Consecutivos: aqueles que surgem como consequência progressiva instalação da morte, e, portanto, necessitam de algum tempo para suas manifestações. São eles: o resfriamento, desidratação, rigidez cadavérica, manchas de hipóstase. Os fenômenos abióticos são importantes na estimação do tempo de morte recente.
- Fatores transformativos: aqueles que levam à alteração do aspecto do corpo morto, quer colaborando para a sua destruição progressiva, quer para sua preservação, sendo divididos em:
2.1 Destrutivos: são aqueles que levam a destruição progressiva dos tecidos corporais mortos.
2.2 Conservadores: aqueles que levam à preservação natural dos tecidos corporais mortos, principalmente relacionados a fatores ambientais do local onde se encontra o corpo.
- Conclusão
A tanatologia e medicina legal, portanto, constituem-se como imprescindíveis para atenderem as mais diversas demandas do âmbito social. São ciências que buscam solucionar ou elucidar um fato, ou circunstância que envolva o bem-jurídico mais valioso, a vida.
FONTE: VELHO, Jesus Antônio; et. al. “Ciências Forenses: uma introdução às principais áreas da criminalística moderna. 4ª Edição. Campinas-SP: Millenium, 2021.